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Crônica – Paciente Dois

A casa era simples, mas carregava um silêncio pesado, desses que se instalam quando o tempo começa a desfiar as memórias. Ali vivia o Paciente Dois, um idoso frágil, quase transparente, como se a vida lhe escapasse em fios finos. Suas limitações já não cabiam nas horas do dia, e, paradoxalmente, quem lhe dava o braço, quem lhe guiava os passos, era uma criança de dez anos. Pequenas mãos segurando o peso de uma velhice inteira.


A mãe da criança aparecia na porta com um olhar cansado demais para sua idade. A vida lhe havia empilhado dores: violência, abandono, sobrecarga. Cuidava dos filhos, cuidava dos netos, cuidava da casa — e a ninguém parecia importar quem cuidava dela. Enquanto isso, a demência corroía o presente do idoso, mas corroía também algo maior: a lembrança coletiva de que ninguém deve enfrentar a vulnerabilidade sozinho. Era o esquecimento da sociedade, esse tipo de demência que não aparece em laudos, mas se instala quando o amparo deixa de ser um valor.


E foi nesse cenário que o Projeto Sol Nascente Compassivo chegou. Não com soluções grandiosas, mas com aquilo que realmente transforma: o simples. Um banho de chuveiro uma vez por semana, para que a dignidade também pudesse morar no corpo. A instalação de uma tomada para ligar o colchão de ar, para que as noites fossem menos duras. Gestos pequenos, mas que reacendiam a possibilidade do cuidado.


A doença do paciente era crônica, longa, dessas que vão se arrastando sem pedir licença. Mas, como tantas vezes acontece, foi uma condição aguda que precipitou a despedida. A partida chegou sem cerimônia, e ali emergiram perguntas que as famílias raramente sabem responder sozinhas: Para quem ligar quando há um óbito em casa?Como esperar, ao lado do corpo amado, a chegada do estado?E o enterro — como pagar, como organizar, como atravessar esse ritual que é tão duro e tão necessário?


O Projeto se fez presente nessas horas que o mundo costuma abandonar. Acompanhou, orientou, sustentou emocionalmente aquela família que, há muito, sustentava tudo e todos sem apoio algum.


Cada paciente nos ensina algo, e o Paciente Dois ensinou sobre a urgência do cuidado que é coletivo, da responsabilidade que não pode ser delegada apenas às famílias já exauridas. O projeto não substitui o Estado — e não deve. Ele caminha ao lado, lembrando, exigindo, convocando: cuidar é um ato que precisa de todos nós.


No fim, foi esse idoso frágil, dependente de tantos, que nos mostrou o quanto ainda precisamos aprender sobre amparo, solidariedade e presença. Porque a vulnerabilidade não é falha — é convite. E, quando respondemos a ele, novas formas de humanidade se acendem, mesmo nas casas mais silenciosas.


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